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Se apanhar na escola, apanha em casa quando chegar

Quero começar pedindo desculpas a quem me lê por esse longo hiato entre meu último texto e o que você vê agora. Além das tarefas diárias e dos compromissos sociais, sofri de um terrível bloqueio inspirativo e não pensei em nada para postar aqui. (mentira, até pensei, mas nada me parecia interessante ou bom o suficiente, entende?)

De qualquer forma espero sinceramente que aceitem minhas desculpas e procurem compreender as crises de loucura desse jovem futuro cientista político que precisa colocar comida dentro de casa e tem três bocas famintas para alimentar. (estou pensando seriamente em trocar a comida dos gatos por umas tiras de salmão, pra ver se economizo no mês.)

Pois bem, sem mais delongas, sem mais firulas, vamos ao que interessa, ou sobre o que não interessa, mas que é legal ler só pra dar aquela força pro amigo aspirante a escritor, não é? 🙂

Dia desses, dando uma olhada no 9GAG , coisa que eu já não fazia há eras glaciais, vi uma coisa que me chamou a atenção. Uma das fotos postadas dizia assim (tradução livre): “Por que em vez de ensinar as crianças a não praticarem o bullying, não as ensinamos a se defenderem? Estamos criando uma sociedade de vítimas”. Certo, apesar de a frase não ser um primor em termos teóricos, dá pra dizer que não é lá um desastre e abre brecha para um debate bacana, sobre a forma como lidamos com o bullying em nossa sociedade atual. Muita gente pensa dessa forma, comprovado pelo alarmante número de pessoas que curtiram a publicação e estavam compartilhando pelos feices da vida, essa frase, como se fosse um exemplo de sabedoria, digna de… Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu. Se tem muita gente curtindo é porque tem muita gente que concorda com essa ideia de “cada um por si” ou  “salve-se quem puder”. Isso reflete um pensamento antigo, em que cabe à vítima saber se proteger, enquanto não é responsabilidade do agressor a agressão infligida.

Quando eu era pequeno eu ouvia muito da minha mãe uma frase que me amedrontava antes de sair de casa para meus afazeres estudantis: “se você apanhar na escola, apanha em casa quando chegar”. PORRA, a gente já ia passar pela merda de tomar uma porrada na escola e quando chegasse ainda ter que apanhar mais? Quando eu saía eu não sabia se tinha mais medo do cascudo no colégio ou das bifa que eu ia tomar em casa depois. A sorte é que nunca apanhei na escola.

Só em casa, porque eu era um anjo. (quero dizer que amo a minha mãe e sei que ela mudou, né dona Lízia?)

O fato é que ela não era a única. Aposto que a mãe de vocês fazia a mesma coisa e, se não dava a porrada de verdade, pelo menos ameaçava. E isso é muito triste, se a gente parar para pensar. Sempre ficou nas costas das vítimas a responsabilidade pela própria integridade física. Eu sei que nossas mães e pais devem ter falado isso na melhor das intenções – de um jeito PÉSSIMO, havemos de concordar – mas o que ninguém nunca pareceu parar para pensar é que eram os outros alunos que não deveriam me bater, ou em qualquer outro estudante, num colégio para crianças de 9 anos de idade. E naquela época o termo bullying, da maneira como o conhecemos hoje, não era empregado ainda, levando os casos de agressão e humilhação no ambiente escolar a serem tratados como “coisa de criança”, “molecagem”, “brincadeira” e outros tantos termos que buscavam sempre diminuir a gravidade da situação. E sempre foi assim, na história da humanidade.

O Brasil, assim como todos os países do mundo, sofre com a terrível violência que é o estupro. Além da situação humilhante, violenta, desrespeitosa e criminosa que sofrem, mulheres ainda são obrigadas a ouvir aquele discursinho safado de que “elas estavam provocando” ou “que não souberam se cuidar”. Tirando as nuances da nossa sociedade machista que por milênios tem sido conivente com a violência do homem sobre mulher, sob a justificativa da superioridade natural e/ou divina, essa ideia de que a culpa é do agredido é lugar-comum em umas cabeças menos “iluminadas”, por assim dizer. É a lei do mais forte que dá embasamento para esses pensamentos individualistas e egoístas.

Temos que nos perguntar sobre o que queremos da educação que damos às nossas crianças. Se precisamos ensinar nossos filhos a se defenderem dos seus próprios colegas, em vez de ensinar a todos a não cometer agressões, é porque estamos falhando miseravelmente na formação de cidadãos conscientes e respeitosos. Se a filosofia da auto-defesa prevalecer sobre a filosofia da não-agressão é porque estamos ignorando os próprios erros, erros esses que estão surgindo na base da formação infantil e afetando o futuro de adultos inseguros e violentos. O caminho deve ser o inverso: um que busque a paz, não a defesa própria diante da (evitável) agressão.

É óbvio que não obterá-se um sucesso total, pois precisamos reinventar nosso modo de educar e de repassar cidadania e isso levará algum tempo e, naturalmente, algumas falhas surgirão. Mas qualquer sucesso é válido, diante do fracasso que tem sido a educação e a prevenção de bullying ao redor do globo. Infelizmente ainda é enorme a quantidade de tutores, mães e pais que acham lindo quando a criança chama uma outra de “veadinho”, “gorda”, “magricela” e todos os outros insultos que rolam no submundo do pátio da escola, nas quebradas do recreio. Isso sem falar na porrada, não podemos esquecer.

Não quero ditar aqui como cada um deve criar seu filho, longe de mim. Mas acredito que seja uma boa refletir sobre a nossa posição diante de um problema sério e que, por acontecer no sacrossanto mundo infantil, muitas vezes passa despercebido ou com sua relevância atenuada. Não se trata aqui de criar um mundo de vítimas; trata-se, antes de mais nada, de evitar que este se torne um mundo de agressores.

P.S: O frio não faz bullying com os solteiros. Já perguntei.

Tadinho do Quasímodo! 😥

Sobre Filipe

Futuro Cientista Político, Rei dos Nerds, Feliz.

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